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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Meu Primeiro Conto

por Alexandre Lênin Carneiro

Mais um dia de trabalho terminado. Agora é só estacionar o carro na garagem do prédio – pequenina, mas cabe um armário-depósito – e pronto, poderei voltar a (tentar) escrever meu primeiro conto. Sempre quis escrever um conto, mas nunca tentei como agora. Cinco andares depois, abro a porta da sala e vejo o equipamento esperando-me. É hoje, estou inspirado, penso comigo. Não dá mais para ficar tentando, tem que ser hoje.

Primeiro, é claro, um beijo nas minhas mulheres. Esposa e três filhas. Depois, molhar a garganta, tirar a roupa e botar chinelos. Nada melhor que descansar os pés à noite. Deus deve ter colocado um sensor especial nos pés para que pudéssemos aceitar a necessidade de calçar novamente sapatos, na esperança de poder descansá-los depois.

Pego uma cerveja e coloco mais outras duas no congelador. Agora posso sentar-me à frente do microcomputador – desses, assim, simples, mas que funciona bem para o que quero (não precisar usar em casa). É ligar e esperar. Enquanto isso, uma olhadela pela janela descansa a vista. Pousar o olhar no infinito é o grande alento do cidadão moderno. Minha esposa adora descansar a vista no horizonte, acalma, relaxa, diz ela. No meu caso, claro, o infinito está a trezentos metros, morrendo ali, no prédio vizinho.

Olho na tela, já vai começar. Não tem senha mesmo, basta teclar enter. Agora, mais alguns minutinhos, enquanto a "máquina" carrega alguns programas básicos e podemos reiniciar o desafio. Mais uma cerveja para aumentar a inspiração.

O grande problema de escrever um conto é escolher a história que se quer contar. Eu imagino que todos possuem inúmeros casos para contar. Mas escolher um deles não é fácil. O mais engraçado é que contar casos para os amigos, especialmente nas rodas de bar, é simples. Eles, os casos, fluem interminavelmente. Quando me sento aqui, a coisa se modifica. Não sei por onde começar, não sei qual história contar. – Alguma coisa vai sair hoje, faço um reforço positivo.

Na cozinha, feita para quatro pessoas, desde que estejam as quatro lado a lado e entrem e saiam em fila indiana, pego mais uma cerveja. Mais gelada, mais gostosa. Daí, é claro, coloco mais uma no congelador. Afinal, mereço. Pensando bem, melhor preparar um acompanhamento. Um simples e rápido. Das várias opções disponíveis para este momento, a azeitona é a melhor. Basta abrir o vidro, derramar um pouco do líquido e recolher alguns frutos para degustação. Melhor ainda se for daquelas que são vendidas em pequenos copos com uma tampa de metal. Sabe aquela que tem um círculo de plástico no centro? Então, retira o plástico e a tampa sai com facilidade. Pronto, dose certa.

Na volta, aproveito para ligar a televisão. Boto no canal de seriados, passando antes pelo canal de filmes. Não pergunte como vou assistir tevê e escrever, no final não assisto mesmo. Mas o barulho acalenta. Sei lá, mania. Racionalmente, sei que não dá pra usar o computador e ler as legendas, mas não consigo fazer as coisas sem a tevê ligada. Bem, superada esta fase, de volta ao computador. Ops, é preciso retornar à cozinha para pegar a cerveja esquecida na pia. Tudo bem, estou acostumado. Acho que faz parte do ritual.

Agora sim. Uma olhada no campo de trabalho. Papéis diversos, agenda de telefone, fax, monitor do computador, teclado, mouse, porta-caneta, modem, roteador wireless e outras pequenas bugigangas. Uma breve tentativa de organizar, de arrumar um espaço para a cerveja e azeitona leva-me mais alguns minutos. Desisto. Não, não desisti ainda de escrever, desisti de arrumar espaço na mesa. Vamos direto ao ponto.

Editor de textos, novo arquivo. Sim, é uma continuação. Mas continuação da tentativa, não de algum texto já escrito. Agora é a hora. Preciso escolher alguma história para começar. Engraçada, lição, conselho. Penso em várias, mas para ser a primeira deveria ser especial. Olhar para o teto sempre ajuda. Opa, tem um mosquito ali. Uma "muriçoca", para ser mais preciso. Não posso deixar pra depois, senão, há o risco de passar a noite caçando a danada. Ainda bem que comprei aquela raquete eletrificada. Um choque mortal e problema resolvido. Desconcentrado, é hora de uma passada no banheiro, afinal, já terminei a segunda shot.

A folha branca na tela convida a escrever. Escrevo um pouco sobre meu dia e, imediatamente, apago o texto todo. Repenso, pode ser um caminho. Control e Z mostram o texto novamente. Melhor apagar mesmo, está muito ruim. Ah, saudade da máquina de escrever. Nessa hora, arrancava o papel e amassava todo. Dava mais prazer. De repente, a Bruna, atrás da cerca que separa os ambientes e não deixa os bebês passarem para a sala principal:

- Papai, sabia que o elefante chupa quatorze litros de água pela tromba de uma vez?

Depois do susto, vem a admiração: - Mesmo, filha? - respondo. Como ela sabe disso? Às gargalhadas ela acrescenta:

- É. Já pensou se ele jogar a água em você? Ihhh, ia te molhar todo!

Demais, além do conhecimento adquirido, consegue deduzir novos com simplicidade e rapidez. Fico perplexo: - Papai já vai terminar aqui. Só um pouco, tá? Incrível como elas crescem rápido. E como aprendem! Eu tenho três meninas. A Bruna, primogênita, a Clara e a Júlia, gêmeas que estão engatinhando para todo lado. Por isso a cerca separando os ambientes.

- Ufa! Já me sinto todo molhado, fifi. Gosto de chamá-la de fifi, um diminutivo carinhoso de filha.

A tela ainda está em branco. Preciso escrever rápido, meu tempo está acabando. Bom, mais uma cerveja deve ajudar. Afinal, já passa das 21h e estou na terceira. Daqui a pouco não terei mais concentração para escrever. Uma esticada para relaxar e tudo se apaga. Não acredito, acabou a energia! Mas a TV ainda está funcionando. Era o fio do monitor que puxei com o pé. Calmamente, coloco o fio no lugar e tudo volta ao normal. Um estranho alívio, uma vez que a tela ainda está branca, ou seja, de qualquer forma não perderia nada. Melhor se tivesse acabado a energia, pois desistiria da tarefa hoje com uma desculpa perfeita.

Finalmente, decido. Vou escrever sobre a dificuldade de escrever que tenho. Sobre o sonho de escrever um conto e o que fiz para conseguir vencer a tela branca. Olho para os lados, junto as mãos entrelaçando os dedos e os estalo num movimento único. Concentrado, digito "Escrever sobre como consegui escrever este conto".

Pronto, missão cumprida.

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